Diário do Espectador A Cidade dos Rios Invisíveis: Liana Giachini

Diário do Espectador A Cidade dos Rios Invisíveis: Liana Giachini

  • Coletivo Estopô Balaio
  • 28 de Maio de 2016

A Liana Giachini, que é doutoranda da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, pesquisa o Coletivo Estopô Balaio e esteve conosco, em São Paulo, para assistir A Cidade dos Rios Invisíveis e acompanhar o Ateliê de Memória e Narrativa. Ela escreveu este artigo sobre a experiência:

 

Memória de Viagem

"Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos."

Ítalo Calvino

Na semana passada, vivi uma das experiências mais significativas de minha vida. Em busca do corpus de minha pesquisa de doutorado, parti em uma viagem que me traria muito mais do que o conhecimento científico. O Jardim Romano, comunidade paulista margeada por um rio de águas fétidas e muito poluídas, foi o cenário dessa história. Saí de Chapecó muito ansiosa e, confesso, amedrontada. Amedrontada com o desconhecido, com a violência da cidade grande com a qual não estou acostumada e com o desafio de entrar nesse mundo completamente diferente do meu: um bairro em que a pobreza, a precariedade de condições materiais e o descaso público são agravados pela força arrasadora do rio, que invade as casas, as vidas e as memórias das pessoas que lá vivem. Pessoas que vieram para a cidade para fugir da seca e agora sofrem com as enchentes.

Acompanhada pelo Coletivo Estopô Balaio, grupo artístico que atua junto dessa comunidade, iniciei meu percurso pela Cidade dos Rios Invisíveis, espetáculo encenado maravilhosamente pelo grupo e que é produzido a partir das memórias narrativas do Bairro. Um pedaço do Nordeste que se instalou em São Paulo que se reconstrói eternamente após cada inundação. Engana-se quem pensa que encontrei um povo que assume o papel de vítima. O que vi foi gente que faz surgir poesia da lama suja do rio, que trabalha. Pessoas que sofrem e que, mesmo com todas as injustiças sociais das quais são vítimas, não perdem o brilho no olhar.

Em momentos como esse, é possível entender que não é preciso gramática para fazer brotar poesia das palavras. Isso porque, ao som do Rap, ouvi ecoar a denúncia e o grito de resistência “quanto mais você me mata, mais eu me sinto vivo”. Ao embalo da sanfona, a saudade de uma terra que nem mesmo conheço apertou meu coração... E pude escutar o povo que, de tanto ser triste se tornou alegre, porque já não se incomoda com a dor, cantando ao “Rio, menino, malandro”, a mais bela canção de amor!

Ítalo Calvino, em sua obra As cidades invisíveis, na qual o espetáculo do Coletivo Estopô Balaio foi livremente inspirado, afirma que "de uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas." Hoje eu posso dizer que cheguei ao Jardim Romano com muitas perguntas para as quais acreditava já ter respostas. Pensava que, de alguma forma, queria fazer algo para mudar a vida das pessoas que lá viviam... queria ajudá-las. Mas o Jardim Romano entrou na minha vida e quem mudou fui eu, quem aprendeu fui eu, quem melhorou fui eu. Agora essa também é a minha história!

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