Como desaguar além de nós mesmos
“Carol, você tá sentada? Eu acho que a gente ganhou o Fomento”. Foi assim que Ana Carolina Marinho, membro fundadora do Coletivo Estopô Balaio soube da melhor notícia que o grupo poderia ter recebido. O telefonema veio do outro fundador do Estopô e parceiro de jornada, João Junior, diretor do grupo. Já era o quarto projeto enviado ao edital de Fomento ao Teatro Paulistano e não havia muita esperança de que, desta vez, o desejo se realizasse.
Mas, aconteceu. Em setembro de 2014, a notícia se espalhou pelos 12 membros do Coletivo mais os artistas colaboradores que, na época, finalizavam a temporada do espetáculo “A cidade dos rios invisíveis”.
O Estopô Balaio nasceu para contar e ressignificar as histórias de alagamentos vividos pelos moradores do bairro do Jardim Romano. Ao ganhar o Fomento, o grupo recebeu o incentivo necessário para tocar pra frente o PROJETO ENCHENTE OU COMO DESAGUAR NA CIDADE.
"Há quatro anos, a pesquisa do Estopô Balaio vivia numa corda bamba, como toda pesquisa artística e teatro de grupo neste país. O projeto do Fomento nos dá uma certa tranquilidade de planejar ações, investir em mais autonomia de trabalho e gerir nossas ideias com maior tempo. A poesia criada no Jardim Romano está circulando pelo bairro e por outros lugares da cidade de uma maneira bem mais elaborada e estruturada de acordo com o planejamento do Coletivo", conta João Junior.
No um ano e meio de atividades propostas, iniciados em outubro de 2014, muita coisa foi incluída. Dentro do PROJETO ENCHENTE está prevista a circulação dos três espetáculos realizados na residência artística no Jardim Romano: Daqui a pouco o peixe pula (2012), O que sobrou do rio (2013) e A cidade dos rios invisíveis (2014); a realização de quatro ações culturais no bairro do Jardim Romano: Sarau do Peixe, Cabaret D’água, Cine Varal Romano e os Ateliês de Criação e, por fim, o lançamento, no fim de 2015, de um documentário sobre o grupo, dirigido pelo premiado cineasta Cristiano Burlan.
Os espetáculos:
As quinze apresentações de “A cidade dos rios invisíveis”, previstas no projeto, foram realizadas entre os meses de outubro e dezembro de 2014. O grupo aproveitou a temporada anterior, finalizada em setembro, para emendar uma segunda. O início da jornada era a estação do Brás, em São Paulo, onde atores e público partiam no trem para o Jardim Romano. As ruas dos bairros eram palco para o restante do espetáculo, que terminava em frente a um braço do Rio Tietê.
“A cidade dos rios invisíveis” foi o maior espetáculo produzido até então pelo Estopô Balaio. Além da grande itinerância do trem até a beira do rio, havia apresentações musicais, de dança, poesia e muitos artistas locais. A equipe total da obra girava em torno de 30 pessoas.
“Daqui a pouco o peixe pula”, espetáculo realizado com os atores-moradores do Jardim Romano em 2012, teve seis apresentações incluídas no Projeto Enchente. Estas, foram realizadas entre novembro de 2014 e abril de 2015. Foram diversos “palcos”: escola, CEU, rua, praça, Sarau, Slam. O "Peixe Pula" foi a primeira obra do Estopô Balaio no Jardim Romano e conta apenas com atores-moradores em cena. Nele, o grupo iniciou sua investigação acerca da poética possível nas histórias de enchentes.
O espetáculo “O que sobrou do rio”, o segundo do grupo no Romano, tem suas doze apresentações previstas para os meses de maio e junho de 2015. O primeiro local será o CEU Três Pontes, no bairro do Jardim Romano. Nele, o espaço da casa (invadida pelas águas) é abordado. A casa como abrigo de sonhos e provedora se segurança e profanada pelas águas é representada na peça.
As ações culturais:
O Sarau do Peixe acontece todo penúltimo sábado do mês. Ele é produzido pelos artistas-moradores Paulo Oliveira e Clayton Lima e pelo artista-estrangeiro Edson Lima. Antes do Projeto Enchente, o Sarau do Peixe foi realizado pela primeira vez no início da investigação do Estopô Balaio no Jardim Romano. A imagem do peixe pulando das águas da enchente esteve presente em “Daqui a pouco o peixe pula”.
Além de abrir o espaço para a declamação de poesias autorais ou não, o Sarau do Peixe homenageia um poeta “da quebrada” a cada edição. Nos três primeiros meses do ano, o varal de poesias foi contemplado com os textos de Rata Fiúza, Jacira Flores e Emerson Alcalde. Todos os três participaram do espetáculo “A cidade dos rios invisíveis” em 2014. O evento também conta com apresentações de música, intervenções, etc.
Outro evento mensal realizado dentro do projeto é o Cabaret D’água, que acontece toda última sexta-feira do mês. O evento é comandado pela drag Dhiana D’água, descoberta em si mesmo por um dos atores-moradores do Estopô, Bruno Fuziwara. O Cabaret nasceu do desejo de Bruno de mostrar Dhiana ao mundo e como um projeto pessoal dos atores-moradores do grupo. Ele existe, por conta própria, desde junho de 2014, sendo anterior ao Projeto Enchente.
O Cabaret se aproxima da linguagem LGBT e aborda temas importantes, como feminismo, homossexualidade/transexualidade, religião, etc. Ele é produzido pelos artistas-moradores Keli Andrade, Bruno Fuziwara e Bruno Cavalcante e pelo artista-estrangeiro Juão Nin.
O Cine Varal Romano, por sua vez, é semanal. Toda quinta-feira é exibido um filme gratuitamente na sede do Coletivo no Jardim Romano. A escolha do que vai passar pela tela parte de alguns temas propostas pela produção. Por exemplo, a relação dos jovens, seus sonhos e as periferias brasileiras. Ou ainda, como esses mesmos jovens se relacionam com o fazer artístico nos locais onde moram. A tentativa é também de aproximar o público do bairro de linguagens menos conhecidas, como o documentário. O Cine Varal é produzido pelos artistas-moradores Adrielle Rezende e Wemerson Nunes e pela artistas-estrangeiras Ana Carolina Marinho.
Por últimos, os Ateliês de Criação vão ter início no fim de abril. São três dentro do Projeto Enchente: teatro, desenho e memória e narrativa. Este último vai abordar a história de vida dos participantes e transformá-la em alguma linguagem artística (desenho, vídeo, teatro, etc). Os ministrantes serão Juão Nin, Renato Caetano e Ana Carolina Marinho. Todos os três foram atores-estrangeiros de “A cidade dos rios invisíveis”.
O documentário
Em fase de produção e ainda sem nome, o documentário sobre o Coletivo Estopô Balaio é dirigido por Cristiano Burlan (ganhador do Festival É Tudo Verdade 2013). Burlan tem acompanhado o grupo em algumas atividades e, mais de perto, em suas casas, junto com a família e dia-a-dia. A previsão é que o documentário seja lançado no fim de 2015.
Comente